Nem o abismo me reconhece

 Grande parte de mim sempre foi sombra.

Aprendi a existir sem o toque da luz,
até que teus olhos incendiaram

o que restava de mim.

Desde então,
há em mim um grito antigo

querendo nascer,
um desejo esquecido

que agora se contorce em carne.

O que fazer com a chama

que acendeste no meu gélido coração?
Nunca deveria ter respirado teu perfume,
nem provado a maciez condenada dos teus lábios.

Esse gozo, fugaz e cruel,
abriu em mim música onde

antes havia apenas silêncio.

Agora,
nem mesmo as trevas me reconhecem.
Fui expulso da noite que me forjou.
E a luz?
Ela jamais me acolherá.


Resta-me morrer devagar,
consumido pela febre do que

nunca deveria ter sentido.

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