Conto - As Mensagens do Silêncio

 

    Chovia fino naquela manhã de terça-feira quando ele chegou à repartição, os cabelos escuros ainda úmidos pela garoa que o metrô não conseguiu impedir. No corredor estreito do quarto andar, cruzou com vozes abafadas e o aroma de café, já requentado lhe fazia sentir um certo conforto. Não era exatamente um lugar bonito, mas havia naquele prédio cinzento algo que lhe dava uma espécie de abrigo.

    Vinícius já estava ali, como sempre. Camisa branca impecavelmente passada, mangas arregaçadas até os cotovelos, revelando os antebraços fortes e bronzeados. Trabalhava concentrado diante da tela do computador, a mandíbula marcada sustentando um silêncio costumeiro, quase ritualístico. Nunca diziam muito. Mas os olhos, os olhos falavam.

    Ele deixou a mochila na cadeira, lançou um “bom dia” rouco, e Vinícius respondeu com um aceno discreto, mas os lábios esboçaram um sorriso que só ele parecia notar. Um sorriso que nunca era inteiro. Sempre como se escondesse um pedido.

    Haviam se conhecido meses antes, no curso de capacitação oferecido pela chefia. Sentaram-se lado a lado, trocando cadernos, olhares, anotações. Naquela tarde em que faltou energia e os dois subiram os cinco andares pelas escadas, rindo entre bufadas de cansaço, alguma coisa havia se instalado. Uma espécie de ímã silencioso. Nunca comentado, jamais nomeado. Mas ali, latente.

    Nos almoços, dividiam o mesmo refeitório, às vezes a mesma mesa. Ele trazia marmita, Vinícius preferia comer fora. De vez em quando, trocavam garfadas. “Experimenta esse aqui”, dizia Vinícius, estendendo um pedaço de frango com curry. Ele aceitava sem hesitar. Os dedos se tocavam por acidente... ou não. Um leve esbarrar de peles que durava um segundo a mais do que o necessário.

    Eram cuidadosos. Evitavam estar a sós por muito tempo. Quando acontecia, o silêncio se esticava como uma corda de violino prestes a romper. Certa vez, ao final do expediente, uma tempestade os prendeu na portaria. Esperaram juntos, sentados lado a lado, os joelhos quase colados. Ele falou sobre música. Vinícius, sobre um livro de poesia que estava lendo. A conversa era banal. Mas o modo como se olhavam, com aquela urgência contida, com aquele calor velado, dizia o que não se podia falar.

    Ambos sabiam. O mundo lá fora era afiado. Na zona onde moravam, comentários eram pedras. Um toque em falso, um gesto mais macio, e viravam alvo de risos, ameaças, olhares sujos. Homens como eles aprendiam cedo a calar a boca e disfarçar o brilho nos olhos. E isso doía.

    A dor estava nas entrelinhas. No jeito como Vinícius guardava uma sobremesa para Ele na geladeira do setor. No modo como Ele sinalizava para o outro ajeitar a gola do casaco quando o frio apertava. Em como nenhum dos dois se atrevia a tocar o braço do outro por mais de dois segundos. Era amor disfarçado de amizade. Era desejo mascarado de gentileza.

    Num fim de expediente mais arrastado, ficaram até mais tarde revisando planilhas. O prédio, quase vazio, oferecia uma paz incômoda. Quando a luz piscou por conta de uma oscilação, o gerador não respondeu. Um segundo de breu total. Depois, a luz de emergência. E os olhos de Vinícius nos dele, como se aquele momento os autorizasse a tudo. Mas ninguém se moveu.

    — Você já vai? — perguntou Ele, voz baixa, quase um sussurro.

    Vinícius olhou pela janela, a cidade molhada refletida nos seus olhos escuros.
    — Daqui a pouco.

    Ele hesitou. Queria dizer tantas coisas. Queria perguntar se o outro também sentia. Se à noite, antes de dormir, lembrava da forma como os dedos quase se tocavam. Mas o silêncio era mais seguro. E a distância entre as cadeiras, um escudo.

    Foi embora sem dizer mais nada. Ao descer as escadas, sentia o peso do que nunca seria dito. Mas no fundo, sabia: o amor não precisava ser gritado. Às vezes, ele vivia no silêncio. Onde os olhos falam, e o mundo, por sorte ou maldição, finge não ver.

    Em um dia particularmente tumultuado, os dois chegaram quase ao mesmo tempo à recepção do prédio. Trocaram um olhar rápido, um cumprimento contido, como sempre faziam. O elevador se abriu com seu rangido costumeiro, e eles entraram. No pequeno espaço metálico, pareciam enxergar apenas um ao outro, alheios ao restante do mundo. No entanto, distraídos, não apertaram o botão do andar. O elevador desceu direto até o subsolo. Outros colegas entraram no caminho, apertando-se no espaço já exíguo.

    Vinícius foi empurrado gentilmente pela multidão, acabando de costas para Ele. Pela proximidade forçada, seus corpos se colaram e permaneceram assim, imóveis, como se o menor movimento pudesse romper algo delicado. Ele sentiu o perfume de Vinícius invadir-lhe as narinas: uma mistura discreta de sabonete amadeirado e calor de pele. As costas dele, firmes, encostadas em seu peito. E o coração, esse traidor, disparado, tentando romper o peito para tocar o outro por dentro. Vinícius não se moveu, mas sentiu o corpo do outro, o respirar suspenso, a tensão no contato íntimo de seus corpos. Era um silêncio carregado de desejo, um instante tão breve quanto eterno, onde tudo estava prestes a acontecer... mas não aconteceu.

    O elevador apitou. As portas se abriram. As pessoas saíram. Eles também. Sem uma palavra. Mas com os corpos ainda acesos, e o silêncio mais uma vez falando por eles. O dia transcorreu com o desejo inflamado por causa de um elevador lotado. E logo já estavam de volta a realidade de suas solidões e a dor de um amor represado.

    A luz amarelada da luminária de cabeceira lançava sombras diagonais na parede do quarto. Ele folheava sem atenção um livro de contos que já lera outras vezes. Não conseguia se fixar nas palavras. Sua mente vagava e como sempre, parava naquele mesmo lugar. Vinícius.

    Fechou o livro. Largou-o em um canto qualquer, como quem desiste de uma luta silenciosa. Havia algo insuportável naquela presença constante, mesmo na ausência. Era como se o outro estivesse ali, deitado ao seu lado, os olhos semicerrados, o peito subindo e descendo devagar. Ele quase podia sentir o cheiro: o mesmo perfume discreto que se misturava ao amadeirado natural da pele dele. Aquilo o desarmava. A cena do elevador não saia de sua cabeça e nem do seu corpo.

    Fechou os olhos. E lá estava o rosto de Vinícius, de novo. O jeito como franzia levemente a testa ao digitar concentrado. Os dedos longos. Os lábios firmes. O modo como o olhar se demorava um segundo a mais quando cruzavam os seus.

    Sentiu o calor subir pela garganta. Uma espécie de vertigem no estômago. Aquela angústia doce e aguda do desejo não vivido. O corpo reagia: a pele, sensível; o peito, apertado; os dedos, inquietos. Não era apenas físico, era a sede da presença, o querer saber mais, o desejo de poder tocar sem medo. Mas não podia.

    Virou-se na cama. Um suspiro escapou, involuntário. Queria com toda a força, ao menos um instante em que pudesse encostar a cabeça no ombro dele. Dizer sem palavras o que guardava havia meses. Mas o mundo não permitia sonhos assim. E então, ele apertava o travesseiro, como se, no silêncio do quarto, pudesse ao menos sentir o eco do que nunca viveria.

    A televisão piscava imagens sem som. Vinícius estava jogado no sofá, uma garrafa d'água pela metade ao lado, os pés descalços sobre o tapete. Tinha trabalhado demais, mas não conseguia relaxar. Passava as mãos pelos cabelos, ansioso, como quem procurasse livrar-se de um peso invisível. Ele.

    Fechou os olhos. Imagem imediata. O sorriso enviesado. A barba por fazer. A voz baixa, que parecia vibrar numa frequência que só ele percebia. E os olhos, aqueles olhos fundos, que guardavam o mesmo segredo que os seus. Recordou a cena na portaria. Os corpos colados. A vontade de tocar. O coração pulsava como se estivesse num lugar onde não devia. A garganta seca. Os pensamentos inquietos. Sentia o corpo em suspensão, como se algo dentro dele esperasse um gesto, um sim, um milagre. Mas nada vinha. O mundo era cruel com homens como eles. Homens que amam sem dizer. Que desejam sem nomear. Que sonham sem testemunhas.

    Vinícius apertou os olhos com força, como quem tenta empurrar a lembrança para longe. Mas ela se agarrava ao peito. Ao cheiro. À vontade de existir ao lado de quem não podia. No escuro da sala, murmurou o nome dele baixinho. Tão baixo que nem o silêncio ousou responder. Suas mãos fizeram o que ele ansiava que as mão dele fizesse, imaginou o sabor do beijo, a textura do corpo, entregou-se ao próprio desejo sem pudor, adormeceu.

    A manhã recomeça, ambos em seus olhares e prisões. Tudo transcorre natural durante todo o dia. A chuva volta a cair, mais pesada agora, e o som dos pingos grossos contra as janelas do escritório vazio dava ao ambiente uma espécie de intimidade suspensa no tempo. Ele e Vinícius estavam novamente entre os últimos a deixar a repartição. A luz branca dos computadores já fora substituída por abajures de mesa, criando um clima morno e suave, quase doméstico.

    — A reunião foi puxada, comentou Vinícius, massageando a nuca, o corpo levemente inclinado para trás na cadeira giratória.

    Ele observava. O movimento do pescoço, o estalar discreto dos ossos, a tensão nos ombros. Um impulso antigo se acendeu, o desejo de aproximar-se, de tocar com a ponta dos dedos aquele lugar exato onde a pele pedia alívio.

    — Foi, sim — respondeu, a voz saindo mais baixa do que esperava. Silêncio.

    Ele levantou-se devagar e foi até a janela. O vidro embaçado mal deixava ver a cidade, mas era o reflexo no vidro que lhe interessava. Vinícius estava olhando. Não desviava o olhar. Não fingia.

    Ele virou-se, lentamente. Seus olhos se encontraram. E algo entre os dois pareceu ganhar corpo, um fio invisível, mas vibrante, como se a própria atmosfera conspirasse para puxá-los um em direção ao outro.

    — Eu às vezes penso… Ele começou, sem saber ao certo o que dizia. Cada palavra era um risco. Vinícius não disse nada. Mas se levantou. Caminhou até ele. Parou a menos de um passo. A respiração dos dois, entrecortada, misturava-se no espaço estreito.

    Ele sentiu a presença, o calor, a eletricidade contida. O corpo de Vinícius tão próximo que bastava estender a mão. O rosto dele estava sério, mas os olhos… os olhos diziam tudo. Ardência. Dúvida. Medo. E então Vinícius ergueu a mão, lentamente, até o rosto Dele. Não chegou a tocar. Parou ali, pairando no ar, como quem pede permissão sem palavras. Ele fechou os olhos. Quase.

    — Vinícius! Chamou uma voz do corredor. O toque não veio. Vinícius recuou de súbito, como se queimasse. A mão voltou ao lado do corpo. A expressão endureceu. A tensão desfez-se como vidro rachado. Era o segurança do prédio. Precisava da assinatura de Vinícius para liberar uma entrega esquecida.

    — Já vou, respondeu, a voz firme, o corpo já em movimento. Ele ficou ali. As mãos cerradas. Os olhos fixos no chão. Algo em seu peito afundava devagar. A oportunidade estivera ali tão próxima e evaporara como uma miragem. Vinícius saiu, apressado, quase sem olhar para trás.

    Ele encostou a testa no vidro da janela. A chuva continuava. O mundo, lá fora, seguia sem saber. E mais uma vez, o desejo havia sido engolido pelo medo.

    A sexta-feira se arrastava em um silêncio estranho. A repartição já estava quase vazia, como se o prédio também suspirasse aliviado pelo fim da semana. Ele decidira ficar um pouco mais, alegando atraso nas entregas. Mas, na verdade, não queria ir. Não ainda. Não sem tentar mais uma vez cruzar aquele abismo tênue. Estava no arquivo, em meio às pastas empoeiradas, quando ouviu passos se aproximando. Reconheceria aquele som em qualquer lugar. Não precisava ver para saber. Vinícius.

    — Ainda aqui? Perguntou, a voz soando mais suave do que o habitual. Ele ergueu os olhos, com uma pasta entre as mãos.

    — Queria adiantar algo. Mentiu mal. E soube que Vinícius sabia.

    Ele apenas assentiu, mas permaneceu ali, à porta. O silêncio se impôs por segundos longos demais. Até que, sem aviso, Vinícius entrou e fechou a porta atrás de si. Ele sentiu o estômago apertar. O espaço era pequeno. As lâmpadas de tom quente deixavam as sombras mais densas, mais próximas. Vinícius caminhou até ele. Parou, de novo, a menos de um passo.

    — Aquele dia… Começou. A voz rouca.

    — Eu… queria ter dito alguma coisa. Feito alguma coisa.

    Ele sentiu o mundo girar sob seus pés. Não respondeu. Apenas olhou. E ali estavam eles. Frente a frente. Os olhos nus. Os desejos, por um instante, sem máscara.

    — Eu também. Disse ele, por fim. As palavras saíram num fio de voz, quase engasgando.

    Vinícius baixou os olhos. Os dedos se contraíram ao lado do corpo, como se pedissem licença para agir. Ele ergueu a mão. Lentamente. Quase tocou o rosto dele, mas se deteve no último instante, como se o gesto inteiro tremesse no ar.

    — Às vezes acho que se eu te tocasse… Murmurou:

    — Não conseguiria mais parar.

    A respiração de Vinícius se alterou. Estavam tão perto que o calor de um tocava o outro sem que houvesse toque.

    — Eu penso nisso toda noite, confessou Vinícius, enfim.

    — E todo dia, quando você passa por mim e finge que não vê o que há nos meus olhos. Um silêncio denso se instalou. Mas não era o silêncio de antes. Era outro, grávido de algo novo. Um limiar. Ele se aproximou mais. Agora, sim, seus peitos quase se tocavam. Os olhos mergulhados um no outro, como se quisessem buscar no outro a coragem que faltava. Um passo a mais, um gesto mínimo… e não haveria mais volta. Mas então, uma batida na porta.

    — Sr… ? Era a voz de Cláudia, do setor de compras.

    — O chefe pediu pra lembrar da reunião da próxima segunda, tá? A porta permaneceu fechada. Mas a tensão, como sempre, se desfez. Vinícius recuou um passo. Ele abaixou a mão.

    — Acho melhor eu ir, disse Vinícius, a voz agora presa na garganta. Ele não respondeu. Apenas assentiu. Vinícius abriu a porta e saiu. Antes de desaparecer no corredor, parou. Virou-se. E disse, num sussurro:

    — Não posso mais fingir que não vejo. E sumiu.

    Ele ficou no arquivo, as mãos tremendo. Algo havia se quebrado. Ou nascido. Não sabia ao certo. Mas pela primeira vez, não sentia só medo. Sentia também esperança.

    A notícia veio como um golpe seco. Sem alarde, sem bilhete na porta. Apenas uma ausência repentina. A cadeira vazia. A tela desligada. O nome removido do e-mail interno. Nenhuma explicação oficial, apenas o rumor sussurrado pelos corredores, corte de pessoal, reestruturação, pressões do alto escalão. Ele ouviu, mas não quis ouvir. A realidade escorregou por dentro dele como água gelada. Vinícius havia sido desligado. E com ele, todo o fio tênue que ainda os unia parecia ter se partido.

    Nos dias seguintes, Ele fingia trabalhar, mas seus olhos viviam presos na cadeira ao lado. No modo como a luz batia diferente sem o corpo dele ali. No silêncio que agora era outro, um buraco mais fundo. Começou a dormir mal. Acordava no meio da madrugada com o nome de Vinícius colado à garganta. Revivia cenas inteiras com nitidez absurda, os dedos quase se tocando, os olhos que imploravam em silêncio, a voz rouca dizendo “não posso mais fingir”.

    Tentou escrever uma mensagem. Apagou. Tentou ligar. Travou. Tinha medo. Não só do que sentia, mas do que poderia representar se desse esse passo. Se estivesse enganado. Se o outro tivesse recuado. Se… se…

    Do outro lado da cidade, Vinícius passava os dias como um fantasma. O sofá da sala tornara-se trincheira e prisão. A TV ligada sem som. As janelas fechadas. Pensava Nele o tempo todo e odiava essa falta de coragem que ainda o segurava. Sentia-se um covarde. Um menino grande demais pra continuar fingindo que não desejava ser olhado com verdade. E o que mais doía era a ausência de qualquer sinal. Nenhuma mensagem. Nenhuma pergunta. Nenhuma tentativa. Como se o que havia entre eles tivesse morrido junto com o crachá. Talvez fosse mesmo isso. Talvez o que tinham só sobrevivesse no intervalo entre o café e os relatórios.

    Mas então, naquela tarde, quando Ele pensava em sair mais cedo porque não aguentava mais o peso do expediente vazio, ouviu passos conhecidos ecoando pelo corredor. Seu coração parou.

    Vinícius. Cabelos um pouco mais longos, barba por fazer, a camisa cinza com as mangas puxadas até o meio do antebraço. Parou à porta, o olhar tenso, mas firme. Carregava algo nos olhos que Ele nunca tinha visto tão claro, decisão.

    — Posso te esperar lá embaixo? Perguntou, com a voz baixa.

    — Pensei que a gente podia… sei lá… tomar uma cerveja.

    Ele o encarou. O tempo pareceu expandir e depois congelar entre eles. Depois de tanto silêncio, aquele convite era um grito. Ele assentiu, a voz presa, o peito arfando.

    — Me espera. Só vou desligar aqui. Vinícius sorriu. Um sorriso inteiro, pela primeira vez.

    — Espero o tempo que for.

    Ele meteu a mão no bolso e encarou Vinícius com lágrimas rolando pelo rosto. Colocou a aliança de casamento no dedo. Vinícius ficou em choque, sem palavras desapareceu no corredor.

    Ele se levantou devagar. O corpo tremia. O mundo ainda era o mesmo com suas ameaças, seus riscos, suas violências. Mas ali, naquele instante, uma possibilidade de ser verdadeiramente feliz deu lugar a outra coisa. Faltava coragem. E talvez, só talvez, isso fosse o suficiente.

    Aquele dia… começou. A voz rouca. Eu quase... hesitou, procurando as palavras que sempre lhe faltavam quando mais precisava. Quase disse tudo. Ele não respondeu. Não precisava. Seus olhos já estavam dizendo. Vinícius respirou fundo, meteu a mão no bolso da jaqueta e, depois de alguns segundos de hesitação, estendeu-lhe um envelope amassado. Papel simples, dobra marcada, como quem escreveu e reescreveu aquilo muitas vezes antes de decidir entregar.

    — Se você… quiser… Disse, sem conseguir encará-lo diretamente. Leia. Mas... só quando estiver sozinho. Sem esperar resposta, virou-se, destrancou a porta e saiu, deixando no ar um cheiro de medo, desejo e esperança. Ele ficou ali, com o envelope nas mãos, como quem segura uma dinamite prestes a explodir. As pernas tremiam. O coração, mais. Abriu o envelope. Reconheceu de imediato a letra de Vinícius, firme, inclinada, bonita.

    E leu:

"Eu não sei se vou ter coragem de te dizer isso olhando nos seus olhos. Talvez porque, toda vez que eu te olho, minha voz falha, minha razão se perde e tudo o que eu aprendi a esconder ameaça transbordar. Então eu escrevo. Porque escrever é a única forma que encontrei de não me calar completamente."

"Se você soubesse quantas vezes imaginei segurar sua mão, mesmo sabendo que o mundo inteiro poderia virar os olhos pra nós. Quantas vezes eu quis encostar minha testa na sua, sentir sua respiração misturada com a minha, e simplesmente existir... sem medo, sem disfarces."

"Eu te vejo. Desde aquele primeiro dia no curso, eu te vejo. Vejo o jeito como você finge não perceber quando nossos olhos se cruzam. O jeito como ajeita o cabelo quando está nervoso. O modo como sorri, tentando esconder que está sorrindo pra mim."

Comentários

Postagens mais visitadas