Sexta feira cinza
Amanheceu,
sem vontade de sair da cama, espiou o seu mundinho por baixo das cobertas. O
dia estava nublado, frio. A lembrança das obrigações veio junto com o toque
estridente do despertador. Levantou-se
rápido para evitar a doce tentação da preguiça e foi terminar de despertar
embaixo do chuveiro. Ao sair do banho, no caminho para o quarto ligou um
radinho para quebrar a monotonia de uma manhã cinza e silenciosa.
Iniciou seu ritual matutino;
Enxugou-se com toda a atenção, escolheu sua melhor roupa, secou os cabelos, foi
ate a cozinha e colocou uma chaleira ao fogo, preparou torradas com queijo e
geleia, voltou ao quarto. Depois de vestir-se voltou a cozinha, preparou a mesa
para seu desjejum, sentou-se, segurando uma xícara enquanto saboreava o sabor
refrescante do hortelã associado ao abacaxi que compunham o seu chá, ela ouvi
uma música suave que lhe traz memórias e sentimentos repentinos.
A melancolia bateu forte, imagens
se formaram em sua memória, como uma pintura em cores fortes que a cada minuto
ganhavam mais intensidade. No entanto, como ela não é de se render fácil,
sacudiu os cabelos como se fosse possível jogar fora aqueles pensamentos
perturbadores com um simples balançar de cabeça... Deu uma olhada derradeira no
espelho, desligou o rádio, pegou as chaves e a bolsa, bateu a porta e saiu.
No caminho até o ponto de
ônibus cumprimenta alguns vizinhos, o homem da banca de jornal, a mocinha das
flores e nem espera a condução, pois o ônibus chega ao mesmo tempo em que ela.
O percurso até o centro é
rápido e logo chega ao seu destino de todos os dias. Durante as horas de
lavoro, mantém-se ocupada com atendimentos, papeis telefonemas, sorrisos,
cantadas ruins, mas que lhe renovam a vaidade, fofoquinhas sobre o novo
funcionário do departamento comercial, as amenidades de toda organização.
Chega à tarde, é o prenúncio do
retorno ao lar. Em um breve momento, faz a listinha do que precisa comprar no
caminho de casa para abastecer sua dispensa; sabão, torradas, geleia, queijo
branco, laranjas, maçãs e algumas flores para o vaso do corredor que está muito
solitário desde a última vez que ganhou rosas.
O tão esperado momento chegou
era o fim do expediente. Recolhe suas coisas, despede-se dos colegas e segue
seu caminho ao reencontro das memórias que se aquietaram por um breve momento
por falta de atenção.
Segue firme. Por ser à tardinha
resolve caminhar ao invés de apanhar o seu transporte habitual. Durante o
caminho aquelas cores ficam mais fortes, provocando, emocionando... Renascem
velhos desejos, arrependimentos de decisões tomadas no calor da raiva, palavras
ditas e ouvidas ficam pesadas, difíceis de esquecer. Um vento frio sopra-lhe os
cabelos, dança por suas roupas e anuncia chuva.
_Que sorte, estou perto do
mercadinho, não vou me molhar.
Entra,
pega uma cestinha e começa sua colheita:
_Sabão... Esquecer é se
renovar, deixar o passado no passado... Torradas... Deveria ligar e tentar
manter pelo menos a amizade...
_Geleia... Preciso me valorizar
se não me procura é por que perdeu o interesse;...
_Espero que ainda tenham
algumas flores bonitas; o queijo branco, as maçãs e laranjas... Ele deve está
em outra, aliás, ele já tinha outra pelo que sei.
Pagou e pegou suas sacolas,
olhou pra fora e a rua já estava banhada por uma garoa fininha; resolve
enfrenta-la, afinal estava a poucas quadras de casa.
Com passos rápidos chegou até o seu
portão, abriu-o resoluta, fechou e ao virar-se para entrar em casa percebeu o
som da chuva tocando suas plantas no canteiro ao lado da porta. O som lhe
parecia conselhos sussurrados que diziam para render-se:
_ Desista dessa luta, não as evite, enfrente-as!
Sentou-se ao batente olhando o
céu, cada vez mais nublado, a chuva ficando cada vez mais forte e insistente.
Ao ritmo dos pingos de chuva ela se entrega e permite-se chorar por cada mágoa,
cada dor, cada erro, cada palavra dura que disse e ouviu. Rendeu-se, para
vencer, entregou-se as dores da alma para exorcizá-las. A chuva cai com força e sem desejo de parar,
por toda a noite... Amanheceu com luz nos olhos, já era sábado.
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